terça-feira, 1 de junho de 2010

A beira do abismo

"Atiramos o passado ao abismo, mas não nos inclinamos para ver se está bem morto."
William Shakespeare


Eu estava parado. Congelado. Frisado. Quase afogado pelas tantas palavras ditas, falas soltas ao vento, pois ninguém podia escutar. O abismo era imenso. Aquele frio na espinha, costumeiro em minhas aventuras nas alturas, era assustador. Não queria olhar para baixo. Não podia.
Shakespeare já me avisara quanto a isso. "Não olhes, Sir Edi, serás atraído de volta, e é tão difícil esse desligamento.....", me dizia em nossas conversas nas tabernas nos subúrbios de Londres, nos idos de 1600.
Ah.. mas fazia muito tempo que o mestre me alertara.
Nesse momento estava sentindo o passado realmente ser o que era para ser: passado. Ou será que tentava isso?
Mas eu ainda estava lá. Na beira do abismo.
Eu estava tão acostumado com aquele montante de sensações, que até então vinha preso em minhas costas e, agora, encontrava-se perdido no abismo sem fim (ou, pelo menos, eu tentava deixar lá): neuras, lembranças insignificantes, histórias que não tiveram fim, pessoas que não se despediram e algumas que se despediram também, dores, sentimentos, derrotas amargas, os dias revoltosos em que Augusto dos Anjos conversava comigo em sua pesada poesia - pois as mãos que afagam são as mesmas que apedrejam -, as noites em que Janes Joplin me acompanhava, não tão sóbrio assim, e gemia em meus ouvidos sua oração sarcástica "Oh Lord, won't you buy me a Mercedes-Benz?.. Ah.. dias quentes e úmidos em que o choro embutido no peito não explodia, épocas em que os arcanjos eram pessoas e, muitas pessoas, anjos.. tudo estava lá. Relacionamentos desastrosos, desencontros e momentos solitários, os vazios deixados pelo meu próprio ego, meus sofrimentos, as falsidades ideológicas, os vilões e alguns outros nem tantos, e outras tantas coisas quantas fossem possíveis um ser humano vivenciar...
...
Era lógico que ficariam as memórias, os registros... não tinha como. Mas a matéria daquilo tudo estava caindo, o peso das sensações anteriores fazia a gravidade trabalhar para que tudo se dissipasse...
Mesmo assim ainda era doído, sentia uma vontade de me atirar junto aquele emaranhado de sentimentos. Tão meus.
Por isso não podia olhar... não deveria baixar minha cabeça nem um centímetro. Olhando para frente, viraria meu corpo, ficaria de costas para aquela grande depressão... e daria o primeiro passo.
Mas o medo me congelava.
Só sentia, não me movia. As emoções corriam pelas minhas veias e explodiam em meu coração.
Tenso estava.
...
Os treinos de Aikido surgiram na memória celular de meu corpo. “Relaxe”... dizia sempre o Sensei... “relaxe... o maior adversário é você mesmo”.
Precisava fazer a energia circular. Era só fazer. Não tinha que pensar.
Eu tinha que fazer. Então comecei...

(Edson Egilio - 01/06/2010)


reticência
latim reticentia, -ae, omissão, silêncio)
s. f.
1. Omissão voluntária do que se podia dizer.

reticências
s. f. pl.
2. Conjunto de três pontos seguidos que constituem um sinal de pontuação que indica suspensão do discurso ou do pensamento. = PONTOS DE SUSPENSÃO, TRÊS PONTOS
pontos de reticência: o mesmo que reticências.

(http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=retic%C3%AAncias)

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