sexta-feira, 14 de maio de 2010

Existo

Dilacerante. Foi assim que meus pensamentos iluminaram-se em minha frente. Parecia matéria - eu olhava para eles, eram externos, estavam soltos. Ou não. Ou simplesmente eu me dividia. Estava realmente dividido. Parecia que estavam criando vida própria, e eu não os controlava. Me questionava sem parar. E, quanto mais eu me via externo a eles, ou eles externos a mim, pareciam aumentar em tamanho e começavam a criar formas.
Estranhas formas.
Eram meus pensamentos podres, fétidos... aqueles que estavam escondidos. Eles, que vestiam pele de cordeiro até então, agora se transformavam no pior dos lobos que eu já havia imaginado em minha infância.
Não. Não era um só um lobo.
Era um monstro.
Sem citação na literatura a qual eu pudesse recorrer para comparar aquela criatura que já estava com 3 vezes o meu tamanho e, inversamente, eu começava a diminuir.
Encolher.
Estava esgotado.
Aquela coisa estava me consumindo. Sentia uma onda de luz e calor sair de mim e ir para ela. O monstro começou a balbuciar algo, a urrar talvez, se é que um monstro que se formou de pensamentos ruins urra, mas o som era ensurdecedor. Aos poucos, todos os meus sentidos foram tomando forma e alimentando o ser das trevas.
Trevas do meu inconsciente.
Como ia lutar com ele, se estava cada vez mais fraco? Ele tinha uma forma gosmenta.
Sem ter o que fazer, aproveitando de alguns espasmos musculares, tentando encontrar forças... me joguei, me atirei em sua direção, ou fui forçado a isso. Não tinha muita noção da origem da força.
No momento em que eu mais tentava repelir aquela coisa, a única força que tive foi para me unir a ela.
E abracei e senti e sumi.
Fiz parte daquilo. Se era meu, eu tinha que assumir. Talvez não pudesse ficar solto. E quando me senti no escuro, envolvido naquela massa estranha, pequeno, sem ouvir nada, com os sentidos todos travados, percebi que havia um ponto de luz em algum lugar. Não via, só sentia a presença.
Então comecei a me concentrar naquele ponto. Era cintilante... Comecei a perceber todas as cores, todas as formas, todos os pontos, todos os deuses e diabos, todos os sentimentos bons e ruins, todas as pessoas, as grandes velocidades dos automóveis, a força dos animais, o poder da turbina do avião, festas, encontros e desencontros, nascimentos e mortes, choros de alegria e tristeza, tudo era uma coisa só, Shiva estava lá, imponente e forte, mas ele era Cristo, que era Buda, e Buda era Gandhi, e todos eles eram todas as pessoas, não existia unidade, senti, vi...
E era um elétron apenas. Um único.
... mas pulsava e me dava todas as respostas. Incrivelmente me senti em paz.
Fiquei tão pequeno que parecia estar no núcleo daquele elétron fumegante.
Calor, paz. Estava lá. Tranquilo.
E fiquei assim. Adormeci.
Só.
Único. Livre. Sem sentidos, sem peso, sem matéria, sem pensamentos. Estava lá, mas não estava. Eu existia mas não existia. Eu era. Voltei ao meu início, apenas parte da matéria.
Não tinha mais nada a me preocupar, a pensar, a fazer, a ir, a sentir...
Simplesmente simples assim.
Existi.

(Edson Egilio - maio/10)

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